domingo, 20 de setembro de 2009


Ver a pobreza mas cair fora
Agências especializadas oferecem roteiros por favelas e regiões devastadas a turistas que querem ser diferentes dos outros turistas
Marcelo Bortoloti

A imagem foi feita nos Cape Flats, um conglomerado de favelas na Cidade do Cabo, na África do Sul. Em meio a montes de lixo, turistas fotografam as condições miseráveis em que vivem 4 milhões de pessoas. Os Cape Flats são o principal destino do mundo dos reality tours, modalidade de turismo que põe viajantes estrangeiros em contato com pobreza e sofrimento. Por ano, recebem a visita de 300 000 pessoas – quase a metade do contingente que se desloca para Bariloche, a mais famosa estação de esqui da Argentina. No Brasil, o exemplo mais conhecido é a favela da Rocinha, que atrai por ano 42 000 turistas de outros países. Esse tipo de programa é o tema de Gringo na Laje – Produção, Circulação e Consumo da Favela Turística, no qual a socióloga Bianca Freire-Medeiros, da Fundação Getulio Vargas, analisa a atração exercida pela miséria em certos círculos.
Na Inglaterra do século XIX não era considerado impróprio aos moradores abastados de Londres, de vez em quando, praticar o slumming, a visita aos bairros pobres (slums) por curiosidade ou em busca de aventura e de experiências excitantes para o paladar e os olhos. Em troca, deixavam-se alguns trocados para os moradores. O pico de prosperidade material nos Estados Unidos depois da II Guerra Mundial reduziu a pobreza extrema aos guetos de minorias raciais. Uma vez vencida, a miséria pode ser até cultuada como fonte de "pureza" e de inspiração. Esse conceito seria impensável na geração anterior, a da Grande Depressão, em que a pobreza foi sinônimo de degradação física e moral, situação em torno da qual se desenvolve o famoso romance Tobacco Road, de Erskine Caldwell. O livro virou filme e peça de teatro, mas não inspirou ninguém a visitar os barracos dos brancos bocas-sujas, beberrões e estupradores.
Ainda hoje, os visitantes prósperos são atraídos às favelas como um remédio para o tédio burguês, pela ideia da pobreza como purgadora e, claro, pela certeza de que eles próprios nunca vão morar naqueles casebres. Filmes como Cidade de Deus aumentaram o número de visitantes à favela da Rocinha, no Rio de Janeiro. O sucesso do longa Quem Quer Ser um Milionário? teve o mesmo efeito na Índia. Outros destinos procurados são os cenários de dramas humanos de repercussão internacional, como é o caso agora das áreas mais atingidas pelo furacão Katrina, que, em 2005, quase destruiu Nova Orleans.
Revista Veja 19/09/2009
nota: Aos poucos os valores são alterados pela socidade, mundos diferentes passam a conviver juntos, valores são trocados, a classe média se rende ao popular, locais que eram vistas pelo mundo como fora de rota do turismo hoje se transforma em atrações, isso é maravilho quando o mundo começa a ver que existe vida em outros continentes, serve como crítica, pois nada fazemos, assim buscamos em outros olhares uma nova forma de ver a pobreza, a real.Não aquelas que estão em gráficos espalhadas pelas instituições que tentam buscar soluções, mas nada se faz, pobre existe no mundo todo e, não podem ser vistos como atrações turisticas, mas sim com olhares humanos, eles precisam muito, por que os cartões postais do rio de Janeiro ou Vitória ou Vila Velha não mostram as favelas, os bairros pobres???não são atrações???Não podemos maquiar uma realidade nua e crua que vimos todos os dias, isso não é utopia, é pura realidade...

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