terça-feira, 29 de setembro de 2009


Comportamento
Quando não há mais segredos
Dados financeiros, hábitos de consumo e até o seu perfil psicológico podem estar na rede. A internet tornou mais difícil manter a privacidade– mas isso não significa que ela esteja morta.

No mês passado, a loja on-line Amazon se meteu em encrenca com um bom número de clientes. Ela acessou a biblioteca digital de centenas de proprietários do Kindle – o leitor de livros eletrônicos criado e comercializado pela própria Amazon – e apagou de lá alguns títulos, sob a alegação de que eles não tinham a licença necessária para ser comercializados on-line. Fez isso sem aviso e sem permissão, valendo-se da rede sem fio que, nos Estados Unidos, mantém cada aparelho vendido em contato com a empresa. De nada adiantou o pedido de desculpas oferecido, dias depois, pelo presidente da empresa, Jeff Bezos, que qualificou a ação de "estupidez". Tampouco surtiu grande efeito assegurar um reembolso pelos livros confiscados. O sequestro dos arquivos, com ou sem dinheiro devolvido, era somente uma agravante do delito original: a violação da privacidade. Uma ironia arrematou a história. Uma das obras apagadas era 1984, o clássico do inglês George Orwell acerca de uma sociedade sob vigilância perpétua, cujo ditador oculto, o Grande Irmão, se mantém sempre "de olho em você".Há mais de 100 anos, essa é a nota dominante nas discussões em torno da privacidade: o temor diante de tecnologias que possibilitam a governos, empresas – e criminosos – coletar, analisar, utilizar e às vezes divulgar informações de cidadãos desprecavidos. O primeiro grande estudo jurídico sobre o direito à privacidade, assinado pelos juristas americanos Samuel Warren e Louis Brandeis, em 1890, já soava esse alarme. No ano em que os grampos telefônicos entraram em cena nos Estados Unidos, eles escreveram: "As fotografias instantâneas invadiram os recintos sagrados da vida privada e doméstica. Aparelhos mecânicos ameaçam confirmar a profecia de que ‘aquilo que foi sussurrado nos quartos será proclamado nos telhados’ ". O medo da perda da privacidade cresceu junto com o desenvolvimento cada vez mais acelerado, ao longo do século XX, das tecnologias da informação. Entre os anônimos, a violação da privacidade não raro é realizada pela própria vítima. É o que se poderia chamar de "paradoxo da privacidade": todos os dias, as mesmas pessoas que se afligem por estar vulneráveis à espionagem digital desvelam sua intimidade on-line, ao permitir que desconhecidos tenham acesso a seu computador, em redes de troca de arquivos, mas, sobretudo, ao aderir a sites como Orkut, Facebook, YouTube e Twitter, nos quais revelam uma larga fatia de sua vida em fotos, vídeos e depoimentos. Compreender os impulsos que levam alguém – e principalmente os jovens – a se expor na internet tem ocupado psicólogos, sociólogos, antropólogos, juristas. Parte da explicação está na simples disponibilidade da tecnologia. "As pessoas fazem o que fazem porque as ferramentas estão ao seu alcance. Pela primeira vez na história, praticamente qualquer um pode divulgar informações para o mundo todo. Alguns aproveitam essa possibilidade de maneira sensata, outros não", diz a antropóloga Anne Kirah, ex-chefe de pesquisas da Microsoft. Também a ideia das redes de interação social está inscrita desde sempre no DNA da web. "A arquitetura da internet foi traçada para permitir o compartilhamento de dados, ferramentas, sistemas. Portanto, era só uma questão de tempo para que surgissem de experiências como o Orkut e o Facebook", explica o sites de compartilhamento engenheiro Demi Getschko, conselheiro do Comitê Gestor da Internet no Brasil. A exibição da intimidade nas redes sociais, dentro de limites razoáveis, pode estreitar laços de amizade ou criar comunidades que cultivam saudáveis interesses comuns – de causas ecológicas à admiração por uma banda pop. "Ferramentas como o Twitter ou o Facebook apelam para a nossa vaidade. E assim sacrificamos nossa privacidade voluntariamente", diz Clay Calvert, autor do livro Voyeur Nation e estudioso dos meios de comunicação da Universidade da Flórida. O auto-imo-lamento da privacidade se dá de forma mais flagrante com a nova prática do sexting – junção de sex e texting, ou seja, sexo e envio de mensagens por celular. Os jovens adeptos do sexting fotografam e filmam corpos nus ou seminus e postam o resultado na internet. Uma pesquisa recente nos Estados Unidos, sob patrocínio da Campanha Nacional para a Prevenção da Gravidez Adolescente, concluiu que 22% das adolescentes americanas já praticaram o sexting. "Trata-se de uma forma high-tech e infelizmente muito precoce de exibicionismo sexual", analisa Calvert. Autor de diversos livros sobre privacidade, entre os quais O Futuro da Reputação – Fofoca, Rumores e Privacidade na Internet, o americano Daniel Solove, professor de direito na Universidade Washington, afirma que o maior risco da superexposição da intimidade é o George arrependimento. Jovens que hoje pertencem ao que ele chama de "geração Google" terão de conviver com registros detalhados – e públicos – de seu passado, nos mais humilhantes detalhes. Solove, no entanto, não é um pessimista em relação ao futuro da privacidade. "Boa parte do que vemos atualmente se deve à imaturidade. Não creio que a geração Google vai, no futuro, estimular seus filhos a postar imagens de bebedeira na internet, só porque hoje faz isso", diz. A internet pode, sim, colocar a privacidade do usuário em risco, sobretudo se ele não tiver o necessário discernimento na hora de publicar imagens e dados pessoais na rede. Mas não se segue daí que a privacidade tenha morrido, como pregam os mais alarmistas. Há bons indícios de que o desejo de privacidade é parte da essência humana – ou mesmo de nossa essência animal. Num ensaio já clássico, publicado em 1967, o americano Alan Westin revisou dezenas de estudos zoológicos para demonstrar que virtualmente todos os animais têm necessidade de isolamento temporário. Tanto no Antigo Testamento quanto nos mitos gregos, personagens são punidos por violação do que se poderia chamar de privacidade (veja o quadro). Há uma longa tradição que se estende desde Aristóteles, na Grécia antiga, para definir uma esfera jurídica que diz respeito ao indivíduo e aos seus próximos, escapando à multidão e sobretudo ao poder público.
Mais importante, o direito à privacidade já foi bem estabelecido – e vem sendo reforçado – nos documentos legais mais relevantes do mundo democrático. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, outorgada pela ONU em 1948, consagra esse princípio no artigo 12. Os juristas Samuel Warren e Louis Brandeis firmaram o respeito à privacidade como um princípio constitucional em 1890 – e, de 1970 em diante, o Congresso americano vem promulgando legislações específicas para proteger dados privados. A União Europeia estabeleceu uma Diretiva para Proteção de Dados em 1995. O artigo 5º da Constituição brasileira, devotado aos direitos fundamentais, salvaguarda a intimidade e a vida privada. A ideia de que a privacidade poderá ser extinta pela internet é francamente paranoica. A rede oferece oportunidades novas para fofoqueiros e pequenos fraudadores – mas, ampla e democrática, ela não se presta à vigilância de um Grande Irmão totalitário.
Revista Veja 12/08/2009

Comentário do Professor:
Quero sempre diversificar as informações que recebo, mas essa que saiu na Veja recentemente me fez refletir mais uma vez quanto às novas tecnologias do futuro. Como sociólogo tenho pesquisado muito sobre o assunto e as informações são as mais preocupantes, pessoas estão deixando de viver para estar direcionada a uma rede de relacionamentos o que afasta as pessoas da sociedade provocando uma serie de problemas psicológicos e sociológicos pois, deixam de se interagir em sociedade construindo um individuo anti-social.Umas das explicações esta na evolução da comunicação e esta ao alcance de todos e virou uma moda global postar a vida em sites de relacionamentos...vamos pensar nisso!!!!boa leitura.

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